segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Especialistas falam sobre acessibilidade e TV digital



A digitalização da TV aberta promete uma série de novas funcionalidades aos seus usuários. Para os telespectadores com necessidades especiais, há esperança de equipamentos e serviços desenhados sob medida para as suas carências. Atentos a esse público, a equipe de quase dois mil profissionais e estudantes por trás das recomendações do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) não descansou.
Sobre o assunto, a repórter Manuela Allain Davidson conversou com dois dos pesquisadores envolvidos no trabalho do SBTVD. Álvaro Costa é engenheiro eletricista e trabalhou na especificação de um controle remoto para TVD interativa. Lara Piccolo é engenheira de computação e atuou no desenvolvimento de serviços e aplicações para esta nova televisão e trabalha na diretoria do CPqD. Ambos dedicaram boa parte de seus esforços a modelos que facilitassem a vida do deficiente. Leia a íntegra da entrevista nas linhas que seguem.
JC Online - De que forma você acha que a tecnologia pode promover a inclusão de cidadãos com necessidades especiais?
LARA – Primeiramente, a tecnologia possibilita o acesso à informação por pessoas com deficiência. Um exemplo é a utilização de programas leitores de tela por cegos, que possibilitam a navegação na internet. No caso da TV, ter acesso à mesma informação que a maior parte da sociedade é um grande passo para inclusão do cidadão. Com a TV digital, essa inclusão pode ir além. Podem ser oferecidos serviços acessíveis a toda população que tragam alguma melhora na qualidade de vida, como serviços de t-gov, que significa o oferecimento de governo eletrônico pela TV.
ÁLVARO - Sem dúvida, nada melhor do que tecnologia para promover a inclusão de cidadãos com necessidades especiais. Mesmo a nossa conhecida TV analógica já possui recursos tecnológicos como SAP e closed caption que permitem a dublagem, a áudio descrição e o envio de legendas. Com a entrada da TV Digital no Brasil, as possibilidades serão infinitas. A capacidade da TVD de envio de múltiplas aplicações ao usuário, essas podendo ser desenvolvidas especificamente para cada tipo de necessidade especial em conjunto com o canal de interatividade, abrem as portas do mundo da informação ao cidadão com necessidades especiais. O limite será a capacidade de investimento e a criatividade para a geração de conteúdo.
JC Online - Há leis no Brasil que estimulem essa inclusão via radiodifusão?
LARA – Há um conjunto de leis e normas que regulamentam o oferecimento de programação acessível na TV. Dentre elas estão a Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000; o Decreto Lei 5.296 de 2 de dezembro de 2004; a Norma Complementar 01/2006 do Ministério das Comunicações; e a Norma Técnica ABNT NBR 15290:2005. Esse conjunto define regras e diretrizes para oferecimento de áudio descrição, legenda oculta (closed-caption) e janela de Libras, tanto na TV analógica quanto na TV digital, via radiodifusão. Esses recursos visam basicamente à acessibilidade do conteúdo audiovisual, com exceção da Norma Complementar que menciona a existência de menus interativos na TV. Com o oferecimento de interatividade na TV digital, esse conceito de acessibilidade tem que ser expandido, pois pode haver novas formas de utilização da TV, como maior apresentação de textos ou navegação por páginas, similar ao que ocorre na internet.
JC Online - Na sua opinião, por que não se vê programas com legendas ou traduções simultâneas em libras na TV aberta?
LARA – Pelo que tenho acompanhado, são poucos os programas que oferecem esses recursos e em muitos casos, a qualidade fica aquém do esperado. É importante que esses programas sejam ofertados porque podem ser as únicas fontes de informação de cidadãos com deficiência. E eles não são os únicos beneficiados. A legenda, por exemplo, pode ser um recurso importante também para imigrantes e estudantes. A TV digital trará novas possibilidades para oferecimento desses recursos de acessibilidade. A janela de Libras, por exemplo, ocupa boa parte da tela e  pode ser vista como um incômodo pela maioria dos telespectadores. Com a TV digital, essa janela pode ser opcional (como definido pela Norma Complementar 01/2006).
ÁLVARO - A representação das minorias sempre vai depender do poder que as apóie. Sem a participação e comprometimento dos governantes, estabelecendo uma regulamentação voltada a inclusão dos cidadãos com necessidades especiais, e exercendo a efetiva fiscalização do cumprimento desta regulamentação pelas emissoras de TV, será sempre mais difícil disponibilizar esses recursos. A norma complementar nº 01/2006 já é um começo, mas os prazos impostos por ela para a implementação dos recursos para a inclusão de cidadãos com necessidades especiais são muito longos para um país como o Brasil, tão carente nos setores de Educação e acesso a informação.
JC Online - O que você acha que falta no País para que as leis que promovem essa inclusão saiam do papel?
LARA - Talvez um pouco mais de fiscalização efetiva da programação e um posicionamento mais forte da sociedade em relação à oferta de conteúdos acessíveis. É preciso que haja comprometimento articulado entre todos os atores envolvidos para que a programação possa ser desfrutada por uma parcela da população cada vez mais ativa na nossa sociedade. E quanto maior a inclusão dos cidadãos com deficiência, mais eles poderão se organizar para reinvindicar a qualidade dos serviços.
ÁLVARO - Vontade política para a representação dos cidadãos com necessidades especiais.